domingo, 28 de agosto de 2011

História do Brasil - BORIS FAUSTO

Esta postagem na minha opinião, é uma das mais importantes para historiadores, estudantes, etc. pois se trata de um conjunto de perguntas e respostas que envolve um dos maiores historiadores de HISTÓRIA DO BRASIL, Boris Fausto, pra você que ainda não conseguiu ler o livro, essa é uma oportunidade de conhecer.  Estou começando em ordem cronológica primeiro com a Colônia, e a seguir: Império, República, Era Vargas, Brasil democrático, Regime militar, Redemocratização...

Colônia

Por que Portugal foi o país pioneiro na expansão?

     Por várias razões. Uma, de ordem interna, foi o fato de que muito cedo Portugal se transformou numa monarquia centralizada, e a Coroa portuguesa teve recursos suficientes para empreender uma grande aventura, em busca de novas terras. Além disso, os portugueses aprenderam com os genoveses as técnicas de navegação e começaram a desenvolver essa atividade. Outro fator é a posição geográfica de Portugal, numa espécie de ponta da Europa, facilitando para os portugueses a tarefa de se lançar pelo oceano Atlântico afora.

Que os portugueses pretendiam, ao sair de sua terra?

     Certamente, foram em primeiro lugar buscar benefícios materiais. As grandes atrações naquele momento eram o ouro e as especiarias. Além de dar sabor, as especiarias também mascaravam o gosto ruim dos alimentos, que naquela época apodreciam facilmente. Então, eles queriam pimenta, cravo-da-índia... Ao mesmo tempo, havia um espírito de aventura, o desejo de conhecer novos mundos, novas terras, a expectativa de encontrar coisas que as pessoas nem imaginavam. Tecnicamente, as expedições portuguesas pelo mar eram muito avançadas para a época, inclusive com o navio leve e extremamente eficiente que haviam inventado que era a caravela. Foi com a caravela, numa grande expedição, que Pedro Álvares Cabral acabou avistando a terra brasílica nas costas da Bahia.

E como foi a chegada ao Brasil?

     O contato da expedição de Cabral com os indígenas é algo que a gente não pode reproduzir, esta é uma limitação do historiador, de qualquer um de nós. Mas, embora seja impossível reconstituir tudo isso, existe os relatos que ajudam. A carta de Pero Vaz de Caminha, por exemplo, é um documento fundamental. Ele era um escrivão da armada de Cabral, precisava relatar os fatos, e foi isso que fez, narrando com riqueza de detalhes os primeiros contatos com os índios, a impressão causada pela natureza, a primeira missa etc.

A descoberta do Brasil teria sido um acaso?

     Houve e ainda há muita discussão a respeito do “achamento” do Brasil. Os grupos se dividem entre a tese da chamada intencionalidade e a tese do acaso. Mas essa questão não é tão importante. O fato talvez mais relevante é que, quando os portugueses chegaram ao que viria a ser o Brasil, não tinham idéia da extensão das terras que encontraram. E não lhe deram muita importância, do ponto de vista econômico.

O que foi o Tratado de Tordesilhas?

     Foi uma linha imaginária com que Portugal e Espanha dividiram o mundo a oeste da península Ibérica, onde os dois países estavam situados. A respeito desse assunto, existe uma discussão sobre a possibilidade de os portugueses conhecerem terras que ainda não ocupavam. Porque na realidade o Tratado de Tordesilhas beneficiou mais Portugal do que a Espanha.

Como foram os primeiro contatos entre os portugueses e os índios?

     Hoje, evita-se falar em descobrimento do Brasil, há quem até encontre uma saída usando essa palavra esquisita, “achamento”. Mas o Brasil não foi nem descoberto nem achado, não era uma terra vazia à qual os portugueses chegaram. Na realidade era uma terra ocupada pelos índios. Os portugueses tomaram posse dessa terra e daí começou uma história de contatos e de muita violência.

Como viviam esses índios?

     Estavam divididos em muitas tribos. Hoje é comum falar em tupi-guaranis como se fosse uma coisa só, mas mesmo os tupis e os guaranis eram diferentes. Havia outras tribos muito guerreiras, como a dos aimorés, e por ai vai. Não havia uma grande nação indígena na costa do que viria a ser o Brasil, e sim uma série de tribos que ora conviviam, ora entravam em luta.

Qual o papel da Igreja Católica no Brasil colonial?

     O Estado português teve com relação à Igreja uma posição de certa dominância. Era o sistema chamado d padroado. O padroado era uma espécie de  de entendimento não-escrito entre Coroa portuguesa e a Igreja, pelo qual a Igreja tinha poderes espirituais, mas ao mesmo tempo a Coroa tinha um controle na nomeação de eclesiásticos e era também responsável pelo pagamento do clero, dos padres que vinham para o Brasil – não das ordens religiosas, mas do chamado clero  secular. A Igreja dedicava-se à conversão dos índios ao catolicismo. Para isso, era preciso organizar as aldeias, ensinar a religião católica e não destruir a população indígena. Mas houve muitos choques entre a Igreja e os colonos no Brasil, porque os colonos tinham outro interesse: o de explorar o trabalho indígena

E as capitanias hereditárias?

     Nos primeiro tempos, os portugueses estavam mais interessados no comércio com a Índia e pensaram no Brasil como uma espécie de ponto de parada nessa rota. Mas à medida que outros povos começaram a chegar, tentando ocupar a terra, eles se viram obrigados, por razões mais políticas do que econômicas, a encontrar uma forma de colonização. A primeira forma de colonização foram as chamadas capitanias hereditárias. Os donatários de capitanias tinham poderes no papel, e precisavam enfrentar uma série de problemas. As capitanias fracassaram, e daí a Coroa portuguesa teve a idéia de instituir um governo geral no Brasil.

O que foi esse governo geral?

     O governo geral correspondeu à necessidade de se ter um poder que centralizaria a administração da Colônia. Mas isso ficou na intenção. O governador geral tinha um raio de ação pequeno, na Bahia, no Nordeste. Nas outras regiões do país ele mandava muito pouco, até o século XVIII.

Qual a extensão da efetiva ocupação da Colônia?

     Esse Brasil dos primeiro tempos pode ser definido pelo que diz um cronista importante, Frei Vicente do Salvador; segundo ele, os portugueses a princípio se arrastavam pela praia como caranguejos. O que quer dizer isso? Que eles conseguiam ficar apenas na praia, e concentrados no litoral do Nordeste. A ocupação do interior foi um processo lento, que só se completou ao longo dos séculos.

Por que os portugueses recorreram à escravidão?

     Os portugueses tinham uma experiência de mão-de-obra escrava na costa da África e haviam levado muitos negros para Portugal, para realizar serviços domésticos. No início, pensaram em escravizar os índios, que, curiosamente, chamavam de “negros da terra”. A experiência de escravização da mão-de-obra indígena levou bastante tempo, mas em grandes linhas fracassou, por várias razões. Uma delas é que os índios estavam em seu próprio território, eles conheciam bem as saídas para evitar o apresamento. Uma segunda razão se encontra na resistência dos índios ao gênero de trabalho que os portugueses queriam lhes impor, porque sua experiência prévia não era de trabalho regular, pesado; viviam pescando, coletando frutos, fazendo roça, de uma maneira muito mais livre. Pela própria natureza da sua experiência, os índios tendiam a resistir tenazmente à escravidão. Além disso, uma verdadeira catástrofe demográfica: não estavam preparados para o contato com o homem branco, para resistir a vírus e bactéria que produzem doenças às vezes corriqueiras para os europeus. Houve uma grande mortandade causada por doenças como a gripe, por exemplo. Por tudo isso, os portugueses perceberam que a escravização indígena não dava certo e começaram a trazer negros africanos como escravos. A escravidão dos índios praticamente desapareceu substituída pela africana – mas isso não quer dizer que a situação indígena deixasse de ser muito precária.

Quando os portugueses se preocuparam com a questão da mão-de-obra?

     Quando perceberam que era viável explorar a Colônia do ponto de vista econômico se concentraram principalmente na produção de açúcar, plantando cana. Tinham uma longa experiência nas ilhas da costa africana, e conheciam muito bem o negócio do açúcar. Só que para tocar uma grande fazenda de plantação de cana necessitavam de braços, e não havia condições de atrair trabalhadores livres. Foi aí que começaram a tentar utilizar os índios, sem êxito, e depois a explorar o tráfico africano. Mas o escravo não era importante apenas como mão-de-obra. O negócio de traficar escravos era em si extremamente valioso; em certos períodos da história brasileira, muitas riquezas foram geradas pelo comércio de escravos, e não pela produção baseada nesse tipo de trabalho.


Era comum a resistência dos negros à escravidão?

     Dada a extensão do país e a diversidade dos grupos, nunca houve, no Brasil, algo comparável a uma grande insurreição de escravos – como aconteceu no Haiti, no século XVIII. Mas houve resistência. A forma mais conhecida é o quilombo, uma organização de negros fugidos e de gente marginalizada, criando uma vida alternativa à exploração colonial. Havia outras maneiras menos ostensivas de resistir, no dia-a-dia, como o não-cumprimento de ordens, a lentidão no ritmo de trabalho etc. Vários estudos têm mostrado que os escravos da casa-grande encontravam formas de adaptação e de resistência aos senhores.

O que faziam, no Nordeste os que não viviam em torno do engenho de açúcar?

     Havia os tropeiros no âmbito do comércio, a criação de gado no interior e várias outras atividades ligadas ao mercado interno.

Os portugueses conseguiam manter sua hegemonia na Colônia?

     Houve uma série de expedições de outros países com o propósito de conquistar a Colônia. Os franceses, por exemplo, estiveram no Rio de Janeiro e depois no Maranhão. Mas a presença mais importante foi sem dúvida a dos holandeses. Eles ocuparam Salvador e foram obrigados a se retirar; mas em uma segunda incursão, desta vez em Pernambuco, permaneceram muito mais tempo.

Por que os holandeses vieram ao Brasil?

     Isso tem muito a ver com a união das Coroas espanhola e portuguesa, sob o comando da primeira, a partir de 1580. Como havia uma disputa entre a Espanha e a Holanda, a partir da união Portugal também se tornou inimigo dos holandeses. Os holandeses tinham dois objetivos básicos: conquista de parte do território brasileiro e controle do comércio de escravos. Assim, ao mesmo tempo em que ocuparam Pernambuco avançaram em direção à costa ocidental da África. A civilização holandesa no Brasil foi muito significativa e deixou vestígios permanentes, principalmente como resultado do governo de Maurício de Nassau. Acabaram sendo militarmente derrotados e foram expulsos da Colônia.


Qual a reação dos colonos a presença holandesa?

     Os holandeses foram combatidos pelos colonos que ali estavam, e há até quem diga, com algum exagero, que dessa luta se originou o sentimento de brasilidade. Uma minoria de colonos endividados com os portugueses buscou se juntar aos holandeses, esperando obter o perdão de suas dívidas. Mas de modo geral foi gente da terra que primeiro resistiu aos holandeses; só depois Portugal veio em socorro da Colônia.

Além do Nordeste, qual outra região sobressaía no Brasil da época?

     Um dos fatos interessantes no povoamento do Brasil durante o período colonial é que a região Centro-Sul era isolada, pouco importante, na qual viviam muitos índios, uma população rústica. Aí se falava a chamada língua geral do Brasil, que era uma espécie de tupi adaptado à fala portuguesa. Quando a gente pensa no Brasil de hoje, é difícil imaginar que o Nordeste era a área mais avançada, e o Centro-Sul a mais atrasada.

E quanto à formação étnica do povo brasileiro?

     Cabe muita coisa na expressão “povo brasileiro”, mas de qualquer maneira PE nítido o cruzamento de raças – branco, índio, negro. Por que isso? O português, quando veio para essa terra imensa, não tinha à sua disposição mulheres brancas co quem pudesse casar, ou simplesmente se amasiar. Então dói muito freqüente o cruzamento de etnias, que deu origem ao povo mestiço que caracterizou o Brasil, até a imigração em massa, no final do século XIV.


Quais partes do Brasil os portugueses conheciam no século XVII?

     O Brasil do século XVII ainda era uma colônia pouco explorada. Mas os portugueses já não se arrastavam pela costa como caranguejos, eles avançavam terra adentro. Nesse avanço, os bandeirantes desempenharam um papel importante, combinando a ocupação da terra com a violência no apresamento dos indígenas. Em meados do século XVIII, os portugueses realizaram um sonho que perseguiam desde sua chegada ao Brasil: a descoberta de riquezas minerais. Isso se deveu às expedições dos bandeirantes.


Cidade de Ouro Preto e a riqueza trazida
com a descoberta de jazidas de ouro
Qual o resultado da descoberta de jazidas?

     O ouro transformou as relações da Coroa portuguesa com outros países da Europa e mudou a paisagem social da Colônia. Do ponto de vista social, a civilização do ouro está ligada à vinda de portugueses em maior escala, em uma verdadeira corrida em busca desse metal. Com isso, surgiram muitas cidades, envolvendo tanto gente rica quanto gente pobre. A civilização barroca, as igrejas, as artes, a obra de Aleijadinho, tudo isso foi produzido essencialmente pela civilização do ouro. Embora as riquezas fossem geradas na Colônia, o ouro era enviado em grande escala para a Metrópole, beneficiando também a Inglaterra, de quem Portugal era dependente. Ao longo do tempo, o ouro foi ficando escasso e as exigências da Coroa cresceram, sob a forma de impostos cada vez mais pesados. Essa circunstância gerou uma série de atritos, e teve algo a ver com o surgimento da Inconfidência Mineira.

O que gerou a Inconfidência Mineira?

     Nos últimos vinte anos do século XVIII surgiram no Brasil alguns movimentos de rebeldia contra a Coroa, dos quais o mais conhecido foi a Inconfidência Mineira. Essa tentativa de revolta, que na realidade nunca chegou a explodir em Minas, foi uma situação em que a elite local, que estava ganhando influência, se sentiu cada vez mais posta de lado pela administração portuguesa. Além disso, as dívidas contraídas com Portugal geravam um clima de insatisfação na região de Minas Gerais, num período já de decadência do ouro e também dos diamantes.

Houve outros movimentos de revolta?

     Além da Inconfidência Mineira, ocorreu uma série de revoltas contra Portugal a partir de fins do século XVIII. Por exemplo, a Conjuração dos Alfaiates, na Bahia, que em termos de composição social era mais popular do que a Inconfidência. Mas os episódios de Minas foram os mais importantes. Basta ver a atitude da Coroa, que montou um grande processo contra os inconfidentes, culminado com a encenação na qual Tiradentes foi enforcado, no Rio de Janeiro.

Como era o Brasil no final do século XVIII?

     Haviam ocorrido muitas transformações. A economia era diversificada, com açúcar, ouro, gado etc. Por outro lado, existiam áreas de disputa territorial. Por exemplo, as fronteiras no sul viviam em contínua disputa com os espanhóis. Enfim, não era ainda o Brasil de hoje, embora já se aproximasse deste, do ponto de vista geográfico.

Quando o sistema colonial entrou em crise?

     No começo do século XIX, por um conjunto de razões. Teoricamente, todas as transações comerciais da Colônia com o mundo só poderiam ser feitas por intermédio da Metrópole. Na prática, isso furou. Portugal entrou em decadência e teve de aceitar a presença de outras potências, particularmente a Inglaterra, no comércio brasileiro. O sistema colonial trazia embutido o tráfico de escravos. Quando a Inglaterra entrou em um surto industrial e buscou criar um mercado de mão-de-obra livre, o tráfico de escravos começou a ser quebrado pelos ingleses. Ao mesmo tempo, a Inglaterra tratava de liberar o comércio internacional para poder extrair deles plenas vantagens, sem depender de intermediários. Essas transformações vieram acompanhadas de um movimento de idéias liberais, tendo como objetivo alcançar a autonomia, e mesmo a independência das antigas colônias.

O que mudou com a chegada da família real?

     A vinda da família real para o Rio de Janeiro, no começo do século XIX, foi um fato político da maior importância para a Independência do Brasil. No jogo das potências da Europa, Portugal estava acossado pelos franceses, por Napoleão, que invadira seu território. Ao vir para a Colônia, Dom João VI e sua corte passaram por Salvador e se instalaram no Rio de Janeiro, que naquela altura já era a capital. Há quem diga, numa frase muito feliz, que de certo modo a Metrópole virou colônia e a Colônia virou metrópole. Com a presença da corte, o Rio de Janeiro se transformou, em muitos níveis – arquitetura, pintura, habitação, novos costumes etc. No plano das relações internacionais, um dos fatos mais importantes relacionados com a presença de Dom João VI foi o reconhecimento, com todas as letras, da liberalização do comércio internacional. Quer dizer, o Brasil teve seus portos abertos às nações amigas – e a gente deve pôr isso entre aspas, porque nesse caso falar em “nações amigas” se referia basicamente à Inglaterra. A partir daí a Inglaterra pôde ter legalmente acesso aos portos brasileiros.


E com a volta de Dom João VI para Portugal?

     A forma pela qual foi decidida a volta de Dom João IV para Portugal influiu no processo de Independência do Brasil. A permanência de seu filho, o futuro Dom Pedro I, representou um passo para a transição de colônia a país sem grandes abalos, conservando-se a forma monárquica.

Como ocorreu a Independência?

     No processo da Independência existiam duas linhas. Uma mais revolucionária, de transformação, que aparece nitidamente na Revolução de 1817, em Pernambuco, com a presença de Frei Caneca e outras figuras. Outra linha, a conservadora, queria fazer uma transição “transada”, sem muitos abalos. Esta linha, das elites fluminenses e da corte no Rio de Janeiro, foi a que triunfou.

Que idéias eram defendidas para um novo Brasil?

     Logo depois da Independência, formaram-se “partidos”, entre aspas, pois não eram organizações como as que conhecemos hoje. Basicamente, eram correntes de opinião das elites situadas nos grandes centros, em particular no Rio de Janeiro. Um setor conservador queria manter a forma monárquica e, além disso, concentrar o máximo de poderes nas mãos do primeiro imperador, Dom Pedro I. Era a tendência absolutista, que queria dar poderes absoluto ao rei. Contra essa corrente estavam os monarquistas liberais. Eles queriam reduzir o poder do imperador e dar força à Assembléia Geral Imperial – que hoje poderíamos chamar de Congresso -, convertendo-a em um órgão que controlasse aquele poder. Essa gente queria, ao mesmo tempo, garantir as liberdades públicas, as liberdades de expressão e de manifestação de pensamento.


Aqui acaba o capítulo que fala da Colônia, vamos entrar agora em Império. Aguarde...